-
Inspirou-me, a moça, a escrever cartas de amor. Disse-lhe que acalentava o
sonho de virar escritor famoso. Estava esperançoso de marcar o dia do casório e
construir uma vida ao lado dela. Acredito na duração do amor por toda a vida e
para além dessa.
- O
que ela fez? - Indagou Amanda.
- Riu
alto, fez gracejo e zombarias. Disse-me que meu projeto de vida é ridículo,
além de me chamar de romântico bobo, chato de galochas, fracassado. Desdenhava,
portanto, da cultura letrada e da erudição. O clima era propício a isso, no
final das contas. Porque, por ser alvo de piadas devido ao fato de ser correto
demais, não conquistava amigos. Não tenho traquejo, desinibição ou “pegada”.
Por ser inapto no quesito das habilidades sociais, meus colegas mais espertos
viviam me passando a perna. Túlio, rapaz bem falante e popular, possuidor de
personalidade magnética e dono de muito carisma, enfim, seduziu Lúcia. O garoto
não tinha notas tão boas quanto as minhas, foi aluno relapso, adorava perturbar
professores e, no entanto, era um doutor em termos de flerte e dinâmica sexual.
-
Trocando em miúdos, esse tal de Túlio viveu toda a adrenalina da juventude
rebelde e questionadora, enquanto você foi desprezado por todos... É isso
mesmo? Bem, se for assim, o melhor conselho que posso te dar, Felipe, é ignorar
essa gente.
-
Como Túlio organizava festas regada a muita bebida e curtição, acabou por abrir
uma danceteria num bairro nobre da cidade. O nome dele ganhou projeção em toda
a cidade. A diversão virou um ganha-pão para ele. Por ter Túlio estruturado uma
enorme rede de contatos e de amigos, o negócio dele vai muito bem. Eu, também,
arranjei um emprego como auxiliar de escritório, mas, ganho 10 vezes menos do
que ele.
-
Bom, eu sinto muito por você, Felipe... Mas, ainda não sei o porquê você ter me
criado.
- Em
primeiro lugar, não preciso que alguém sinta pena da minha situação. Auxiliar
de escritório é um emprego digno como qualquer outro. Não acho que fracassei na
vida. Precisamos ir além de simplificações, rótulos ou estereótipos.
Desvencilhar da roupagem institucional. Cada pessoa é uma pessoa. Em segundo
lugar, escrevo os capítulos da saga “Oníricos”, em meu blog, onde você é a
protagonista, para apresentar a minha versão dos fatos referentes à cultura
escolar e desconstruir certas verdades absolutas. A escolarização sufoca
vocações naturais ao criar uma dicotomia entre conteúdo escolar e prática
profissional. Descobrir o valor de uma incógnita é dar respostas certas aos
estímulos corretos e isso é diferente do que ser capaz de traçar um rumo
profissional. Ser curioso, dedicado e pesquisar por conta própria vale mais do
que ter um bom boletim. E é essa cultura da persistência e esse desejo de aprender
por conta própria que a escola não incentiva. Deve-se ir além do ensino
institucionalizado, aquelas breves lições pontuais assimiladas na infância e na
juventude. Túlio venceu na vida não porque a sorte auxilia a malandragem, mas,
sim, porque já possuía habilidades não-cognitivas suficientemente amadurecidas
para prosperar. E quando eu falo em habilidades não-cognitivas, eu falo em
livre expressão, entusiasmo, criatividade, coragem e persistência.
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