quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Capitulo 5 - parte 1: Coragem


- Conforme eu vinha comentando, eu, ainda, quero me tornar escritor. A ação humana desemboca em efeitos imprevisíveis. A vida não é um fluxograma ou um esquema linear onde diploma é garantia de emprego. Solicitude, boa educação e paparicos não são, do mesmo modo, passaporte seguro para o romance. Leva muito tempo até que eu conseguir me tornar um bom escritor. A maioria das pessoas menospreza a minha filosofia, a exemplo do que aconteceu com Lúcia, porque em princípio, a filosofia para nada serve. A reflexão, a literatura e o pensamento crítico não são como um cálculo matemático que se pode utilizar para se fazer um programa de computador ou uma troca de idéias a ser feita com um amigo combinando um encontro, como sempre fazia Túlio. Noutras palavras, não é um conhecimento aplicado ao mundo concreto. O ganho obtido com o estudo sistemático da idéia, da ética e do que é justo não é imediato. Leva anos até que a pessoa refletir sobre suas próprias práticas, numa análise metafísica, o porquê do mundo estar impregnado com determinadas visões de mundo.

- Bem, Felipe, o que significa que filosofia não dá dinheiro, não é?

- Exatamente. Eu filosofo para ampliar meus horizontes intelectuais, abrir as portas da percepção, ir além do óbvio ululante. É necessário saber do que se gosta para, daí então, ser feliz. Enquanto Túlio é pessoa mais prática, eu sou mais acadêmico, mais intelectual. O mundo precisa de pessoas como eu e Túlio para funcionar. Nem todos podem ser donos de multinacionais, mas, todos, sem exceção podem ser ótimos profissionais e bons cidadãos. Sonho com o dia em que terei minhas ideias valorizadas e lutarei para buscar a minha satisfação pessoal, ao mesmo tempo em que torço pela felicidade de Túlio e Lúcia. Porque, se seguirmos a linha do “olho por olho”, o mundo acabará cego. A escola ideal não é aquela que premia os melhores estudantes com elogios ou notas. Isso acaba formando hierarquias. Cada pessoa tem diferentes habilidades, sonhos e aptidões diferentes. A comparação apenas traz decepções.

- Você tem namorada? Esqueceu a Lúcia?

- Tenho 26 anos e nunca experimentei beijo na boca. Não se pode usar força de vontade para se apaixonar e não é possível seduzir alguém por meio de erudição, boas qualidades ou ótimo caráter. Agarrar o amor quando o mesmo se apresenta e ficar atento às oportunidades que a vida oferece é dificílimo. A borboleta apenas aparece em jardins bem cuidados e foge de toda a tentativa de captura. Não há regras para acontecer o romance.

- Não entendo o que essa sua sapiência toda tem a ver com o fato de você ter me criado nessa história.

- Quero que você, ao despertar desse sonho, consiga encarar o seu pai, pedir-lhe permissão para largar a vida de secretária e seguir com o projeto de ser escritora. Minha vida é análoga a sua: temos que focar no nosso desenvolvimento pessoal. Eu escrevi essa história, “Onírico”, para poder colocar, no papel, o que me angustia. Ter registrado minhas resoluções para essa nova etapa da vida. Não se pode controlar o futuro e as expectativas nunca são concretizados, porque, conforme disse, a vida não é fluxograma. Mas, pode-se crer que sou capaz de me contentar com o pouco de hoje para ter esperanças de que, mesmo com conseqüências imprevisíveis, minha boa ação trará bons frutos para os dias vindouros. Semear o bem não importa para quem e sem se importar com o que vem.


Fim.

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